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terça-feira, 22 de junho de 2010

Os Náufragos de Deus


“O choro vem perto dos olhos para que a dor transborde e caia. O choro vem quase chorando como a onda que toca na praia. Descem dos céus ordens augustas e o mar chama a onda para o centro. O choro foge sem vestígios, mas levando náufragos dentro.” Cecília Meireles

Quando tentamos fazer teologia partimos da pergunta: o que é Deus? O problema é que a resposta pode nos levar a “quem é Deus”. Se estamos num ambiente onde deus é impessoal, apenas espiritual, então não fará a menor diferença o que nós imaginamos sobre o que ele faz, como age, sua ética, sua razoabilidade. Ao ser intocável e impessoal o outro nada mais é que objeto, não é sujeito, pois no outro nada enxerga. O deus grego era assim.

Se a minha resposta sobre o que é Deus me remete a Jesus, então tudo muda. O impessoal torna-se carne, o apenas espiritual habita entre nós, sente fome, prazer, alegria e chora. E uma confusão se instaura na nossa cabeça: queremos atribuir a Jesus os moldes de deus que víamos nos mitos, nos seres impessoais, intangíveis.

Para um deus impessoal não é nem um pouco complicado atribuir-lhe atributos que, para o outro humano, sujeito, pessoa, ficaríamos constrangidos em predicar: frio e calculista. Lembro-me que nas novelas antigas os piores vilões carregavam estes adjetivos. Para nós seres humanos a morte ainda é a maior catástrofe, nela enxergamos o ponto final da beleza – em uma forma crua de se enxergar a realidade, conheço a beleza poética que vê para além do tal ponto. Tanto assim o é, que o Deus da bíblia se recusa a ser conhecido como o deus da morte. Principalmente Jesus se relaciona diretamente com a proposta de vida, vida em abundância, vida eterna.

Se Jesus é pessoa como nós, seria cruel atribuir-lhe, pelo período chamado eternidade, a determinação da morte de cada pessoa, ser, que no mundo há. Se assim o fosse chamaríamos a Deus de frio e calculista. Repito, se nossa resposta sobre quem é Deus nos remete ao impessoal, tudo bem. Mas se nos remete a Jesus então é tudo diferente, pois agora é uma questão de caráter. E esse caráter ficaria altamente questionável a partir do menor versículo da Bíblia que, na minha opinião, lança a maior luz sobre o caráter eterno de Deus: Jesus chorou. (Jo 11:35)

Para um ponto de vista, Jesus determinou na eternidade a morte de Lázaro, pois por qual razão, agora que está frente ao seu túmulo aparece-nos com lágrimas? Parecem-me as lágrimas de uma atriz de novela das oito, que dia desses, ganhou um diploma de mestre da turma de escoteiros da qual, na infância, foi parte. É difícil acreditar em lágrimas de atores. E se Jesus é determinista, não faz nenhum sentido o choro, ou trata-se de Jesus o ator. Mas eu não acredito assim e me comovo com um Deus que ao presenciar a dureza da morte, a dor de ver um amigo partir, de uma família perder um pedaço de si, chora. O texto continua e nos diz que ele comove-se novamente em seu íntimo.

A partir disso vemos que Deus carrega dentro de si as dores dos naufrágios da nossa existência, carrega em seu peito a turbulência dos maremotos do nosso dia-a-dia conturbado, aflito, angustiado.

Na percepção iluminadora da Cecília Meireles a dor de Jesus lhe chega aos olhos para que transborde e caia, Ele chora. Não “triunfaliza” o próprio milagre que virá a seguir, não capitaliza novos fiéis ao seu movimento. Sente as dores dos outros, sente a própria dor e se permite o escoar de seus náufragos.

É a esse Jesus que eu me junto, pois - na minha pior face – sinto como Bernardo Soares (citado por Rubem Alves em Teologia do Cotidiano) “Há idas de poente que me doem mais que a morte de crianças” e realmente não quero ser isso. A nossa ganância nos torna impessoal no que possuímos e a perda do que temos nos dói mais que a catástrofe do outro. Nosso Jesus é rico em compaixão e isso significa não só sentir a dor do outro, mas aguçar a sensibilidade para quais dores buscamos carregar em nosso peito. Afinal, podemos escolher tanto as alegrias que queremos colecionar, quanto as lágrimas que iremos chorar.

4 comentários:

Villy Fomin disse...

Muito bom esse texto mano, domingo passado citei o texto de Jesus e Lázaro: "Ficamos impressionados com o fato de Jesus ressuscitar um homem morto. Mas quem está fazendo isso é Deus, Jesus é Deus encarnado, então isso não me impressiona o que chama minha atenção é que Jesus chora. O Deus revelado em Cristo chora, ele se envolve com o drama daquelas mulheres, ele não é indiferente..."

Abração

Unknown disse...

Fala Man.....Bom encontrar suas palavras....e bom saber que aqui está mais perto.....Sobre o texto...aprendendo sempre com eles e absorvendo...sobre você : Uma grande alma vivente com poesia noturnas e poentes de primavera.....flw Ju..saudades

Unknown disse...

É meu amor, concordo qdo vc diz que podemos escolher as lágrimas que iremos chorar e me junto a vcs (vc e Jesus) no derramar das lágrimas pelos menos favorecidos, pelos quais poucos choram ou fazem além disso.

Unknown disse...

Muito bom este texto.. e ai ve se não coloca gravata no pescoço..rsrsrsr
Cara vc faz falta aqui agora que pensei que ia ficar na moleza cai do cavalo..rsrsrsr

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