Pages

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A Vacina e o Propagandista


Minha filha adorou a notícia sobre a vacina contra a gripe H1N1. Empolgada com a novidade que a levaria à imunidade – lógico que o que ela gostou mesmo foi da propaganda da TV – pediu-me que a levasse com urgência ao posto de saúde. Eu, tentando ser um bom pai, assim o fiz. Ao lá chegar, algo fez com que todas as convicções da minha filha fossem dissolvidas em pó que o vento levou: o tamanho da agulha. Não sabia se ria ou se chorava, me senti um monstro pela duplicidade de sentimentos, porém foi incontrolável. Perguntava a mim mesmo, olhando aqueles olhos suplicantes por misericórdia e aquele beicinho inferior que sobrepujava o superior, semelhante a dois irmãos se abraçando para espantar o medo: Cadê aquela menininha consciente e conscientizadora? Cadê aquela meia-hora de sermão sobre o quanto a vacina é importante, urgente? Onde foi parar a menina cheia de bravura para enfrentar o “mal suíno”?
Hoje eu relembrei isso e me deparei comigo mesmo, depois de uma frase do Varillon: A fé é comprometimento, não mera opinião.
Das teologias protestantes a que mais me agrada é a da missão integral. Acho linda a propaganda de justiça, estilo de vida simples, igreja no mundo e tantos outros pontos que me encantaram e me rechearam o discurso. Cantei sobre isso, preguei sobre isso, discuti e argumentei sobre isso. Até que me percebi “com medo da agulha”. São várias as vacinas que esta teologia apresenta, mas tenho muito medo de uma em especial.
O estilo de vida simples é maravilhoso até o ponto em que ele vai para além da epiderme e precisa penetrar a minha corrente sanguínea para se tornar modo de vida, principalmente acima do discurso. É linda a propaganda da pessoa que poderia viver com menos para que o outro, que tivesse o nada, pudesse ter algo mais. Imagino isso na televisão: semelhante a um homem branco, de classe média, ajudando uma jovem negra da favela com um donativo mensal. A menina usa o dinheiro para estudar e se torna classe média igual a ele, fade out e uma música suave traz a logomarca do ministério da “distribuição voluntária de renda”. A propaganda passa e a novela retorna. O governo jamais instituiria um ministério desses, assim como as igrejas dificilmente criariam um ministério assim. Digo dificilmente por já ter visto um ministério assim numa igreja. Mas não estou falando dos outros, falo de mim. O pouco que tenho é muito ao que nada tem. Enquanto espero o dia amanhecer melhor a estes, sei lá por qual mecanismo miraculoso, – seja um pacote mais justo do governo, seja uma intervenção divina fantástica – nada muda, para os mesmos o dia continuará frio e cinza. O estilo de vida simples poderia mudar a realidade do outro para algo um pouco melhor, do nada para o pouco. O que realmente mudaria muito seria eu. Por medo das privações – e nem são tantas – perco a oportunidade de sair do nada (ouvinte do evangelho, palestrante do evangelho, propagandista) para o pouco (discípulo de Jesus, seguidor encarnacional das palavras dele).
Na verdade a “picada” só dói enquanto está na pele, enquanto não está transmitindo algo para dentro de nós. A agulha só gera medo, o medo dói mais que a “picada”. Sempre que organizei ou participei de iniciativas de ajuda humanitária percebi a mesma conclusão: fez mais bem a mim do que ao outro. Na questão da fé enquanto comprometimento, eu apenas preciso tornar cotidiano o que é esporádico: ajudo e me dou sempre, não apenas em dias especiais. Parece que vou perder muito, mas é só medo e egoísmo.
Preciso aprender com a coragem da minha menininha e encarar essa agulha de frente, com ou sem medo. Iniciar todos os processos que estiverem ao meu alcance, mesmo que incluam o meu discurso, para mudar a minha realidade egoísta e me livrar deste mal que é bem maior que o “do porco”, é desumano.

0 comentários:

Postar um comentário